Santa Inveja! Podemos chamá-la: Admiração

Já ouvi amigos dizerem: — "Estou com inveja de você"! Quando isto é dito, o amigo é imediatamente perdoado por um "pecado" admitido. Porém, em se tratando de pecado, não seria eu quem deveria pedir perdão? Não, se nada fiz intencionalmente para tanto, mas se eu a despertei deliberadamente, sim, a culpa pela inveja alheia terá sido minha, e se isto causou constrangimento no amigo ao ponto de causar arrependimento em mim, será merecido pedir-lhe perdão tanto quanto ele mereceu ser perdoado por sinceramente admitir ter sentido inveja.

Em meu livro falo de inveja, porque não se pode caminhar pelas sombras do autoconhecimento sem olhar de frente para ela. Por ser um tabu, e portanto causador de vergonha, nunca vi alguém falar sobre inveja referindo-se a si mesmo. A inveja sempre é a do outro, a que o outro sente, como se ela jamais percorresse o repertório das próprias emoções com relação às pessoas e coisas que as cercam. A inveja é vista como algo muito negativo, até a ser temida, e isto é compreensível, assim como tudo o que não se conhece. Teme-se a inveja porque geralmente ela é desconhecida como sendo uma emoção, e muitos não sabem lidar com ela (a do outro e a própria). Fica mais fácil deixá-la a cargo da figa, da arruda, incenso, pimenta e sal grosso nos cantos da casa. Além de tabu, a inveja também é tratada como uma superstição.

Não quero repetir o que conto em meu livro, nas breves quatro páginas em que passeio pelo assunto, e sim complementar com uma experiência recente ratificando que a melhor maneira de desfazer o incômodo que a própria inveja provoca, é admitindo-a. Quem leu o livro se lembrará dos "truques" que desenvolvi para lidar com a própria inveja quando o desejo de ter é despertado.

Por conta de desapegos, não tenho sentido inveja por coisas, mas eis que de repente fui acometido daquela forte sensação que nos aquece o peito, esfria a espinha e dilata as pupilas do olhar do desejo: a inveja! Não a inveja de Ter, nem a de Ser. Desta vez conheci a inveja de Fazer. Todos sabemos que basicamente invejamos o que desejamos e não temos. Porém, o que acontece quando invejamos algo que não sabíamos que desejávamos? Simples: passamos a saber! É neste ponto que a inveja mostra-se como riquíssima fonte de autoconhecimento e, portanto, como uma ferramenta positiva para revelar o que realmente valorizamos e pode nos trazer realização e satisfação. E também como referência para buscarmos o que queremos. Se alguém conseguiu, também podemos conseguir, sem precisar ser igual ao outro. Confirmei assim que a inveja não deve ser tão maldita; a constatação da inveja é o mais sincero dos reconhecimentos e o mais legítimo dos elogios. Afinal, para a inveja surgir, foi necessário antes uma atribuição de valor decorrente de comparação. Descobri que a inveja de ter sempre será a mais tola, e a inveja de ser ou de fazer é um tipo de amor que dói por ansiedade: quero imediatamente ser tão amado quanto amei a quem invejei.

Que amor foi esse? Que inveja foi essa? Foi a de desejar escrever com tamanha competência para despertar nas pessoas as mesmas emoções que uma determinada história despertou em mim, escrita com inteligência e profundidade sem perder a leveza, a graça, a provocação, o humor e os contextos da vida real que a tornaram compreensível e emocionante para adolescentes e adultos de quaisquer idades. – Então é isso... não é inveja de carros, de roupas, de viagens ou palcos. É de um propósito alcançado ao entreter somando muito de bom. Como eu poderia desejar algo ruim a quem o conseguiu? Desejo sim que realize mais e eu tenha oportunidade de conhecer suas novas obras! E agradeço por me fazer ver que nenhuma emoção é negativa ou positiva em si mesma; o que fazemos com ela é que a torna boa ou ruim. Santa inveja! Após admitida, sim, podemos chamá-la de admiração!

O meu recado com este texto é simples: mostrar que até mesmo uma emoção imersa em preconceitos como a inveja pode mostrar os nossos mais legítimos anseios. Se perceber que está sentindo inveja, converse com você mesmo; pode acontecer de descobrir o que realmente lhe trará realização. Se sentir que está sendo invejado, procure identificar no motivo um valor que talvez você mesmo não esteja reconhecendo.
A inveja do artista não é inveja; é ciúme da poesia, da canção, da pintura e inspiração que provocam a sentir o que diz o coração. O ciúme do artista é da arte que dele não partiu, como que posto à parte da beleza que se viu. 

– Gutto Carrer Lima

"Certas canções que ouço cabem tão dentro de mim, que perguntar carece: como não fui eu que fiz?"
– Milton Nacimento




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Merlí é uma série de televisão sobre um professor de filosofia que, usando alguns métodos pouco ortodoxos, incentiva seus alunos a pensar livremente, dividindo as opiniões de alunos, professores e famílias. Wikipédia


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